Os brasileiros resistem à invasão holandesa





Uma guerra contra invasores faz surgir no Brasil a primeira manifestação de nacionalidade.

Caravelas holandesas chegam a Salvador em 1624, na terceira das quatro tentativas de dominar a Bahia.

A enorme extensão do litoral brasileiro sempre o tornava vulnerável a investidas clandestinas de navios de corsários profissionais ou de simples aventureiros que vinham pegar de graça o pau-brasil, uma mercadoria ao mesmo tempo valiosa, abundante e pouco vigiada. Mas além destes invasores que visavam simplesmente à pilhagem, havia outros, que vinham com o propósito de se entrincheirarem aqui e desafiar a autoridade dos portugueses sobre aquele território. Táticas semelhantes foram postas em prática pelas potências europeias, sempre que se defrontavam na disputa por uma colônia.
Em 1578, o Rei do Portugal, D. Sebastião I, desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos. Seu corpo jamais foi encontrado, dando origem a uma lenda sobre seu retorno que inspirou direta e indiretamente movimentos messiânicos na História portuguesa e brasileira. Mas a morte do jovem rei (nascido em 1557) precipitou também uma crise sucessória que acabaria tirando do trono português a dinastia de Avis, da qual ele foi o décimo sexto monarca. Após uma complicada batalha política, a coroa de Portugal foi parar nas mãos de Filipe II, rei da Espanha, constituindo a chamada "união das coroas ibéricas".
A união dos reinos teria profunda influência na História brasileira: foi durante esse período que a fronteira entre domínios espanhóis e portugueses, estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, deixou de existir. Bandeirantes e exploradores brasileiros aproveitaram para embrenhar-se na mata e apossar-se de terra onde os espanhóis não tinham conseguido se fixar. Desse modo, quando Portugal restaurou sua monarquia em 1640, já havia se apossado de uma grande extensão de territórios do Brasil, incorporando as atuais regiões Sul, Norte e Centro-Oeste.
Uma consequência mais imediata, no entanto, trouxe um período de instabilidade militar para os portugueses. Filipe II estava em guerra com a Inglaterra, a França e a Holanda, o que automaticamente transformou esses três países em inimigos de Portugal, e potenciais invasores do Brasil.
Os franceses ocuparam o Maranhão em 1612, mas foram expulsos em 1615. Mesmo assim fundaram a capital do estado, São Luís, batizada em homenagem ao Rei Luís XIII da França. Em 1599 e depois, em 1604, os holandeses atacaram com determinação a Bahia, embora sem lá se fixar. Em 1624, um novo ataque foi feito, e desta vez a capital foi ocupada. O recém-nomeado governador-geral Matias de Albuquerque, começou a organizar a resistência, a partir de Pernambuco, mas, na Europa, Espanha e Portugal movimentaram-se juntos e enviaram ao Brasil uma expedição com doze mil homens, que em abril de 1627 retomou a capital baiana, expulsando os holandeses.
Eles, no entanto, não desistiram. Em fevereiro de 1630 chegava a Pernambuco uma expedição de guerra com cinquenta e seis navios e embarcações, com mais de sete mil homens. A resistência preparada pelos portugueses tentou fazer frente aos invasores, mas estes se apossaram de Olinda e depois de algumas semanas de combate ocuparam Recife. Os defensores atearam fogo a navios e armazéns, entrincheirando-se num ponto entre as duas cidades que ficou conhecido como Arraial do Bom Jesus. De lá, deram início a uma incansável guerra de guerrilhas que muito contribuiu para minar a posição dos holandeses.
Reforços portugueses chegados em 1631, aumentaram a pressão sobre os invasores, mas nesse ponto os holandeses passaram a contar com a ajuda do informante Domingo Fernandes Calabar que até então lutava ao lado dos locais. Calabar guiou os holandeses numa série de ataques fulminantes contra as posições dos defensores, o que em pouco tempo virou o jogo em favor da Holanda. embora posteriormente ele tenha sido preso e executado como traidor.
Em 1633, eles conquistaram a ilha de Itamaracá e o atual Rio Grande do Norte, cuja capital Natal foi rebatizada como Nova Amsterdam; em 1634 ocuparam a Paraíba. Uma nova contra-ofensiva espanhola, chefiada pelo duque de Ganja, foi aniquilada peloso holandeses em 1636.
Em 1637, chegou a Recife o conde Maurício de Nassau, que recebeu da Companhia das Índias Ocidentais o cargo de governador do Brasil holandês, por um período de cinco anos. Suas primeiras medidas foram no sentido de ampliar as posições holandesas; reconquistou territórios que havia perdido em Alagoas e invadiu, sem maiores problemas, o quase desabitado Ceará. Em 1638, Nassau preparou um ataque maciço contra a Bahia, com uma poderosa frota de trinta navios e quatro mil homens. Porém, bem armados, os baianos resistiram a repetidos ataques durante o mês de abril, forçando os holandeses a bater em retirada.
Nassau foi removido do cargo em 1644 e retornou à Holanda. Enquanto isto, o movimento de resistência anti-holandesa em Pernambuco voltava a crescer e organizar-se, contando com a ajuda da Bahia. Surgiram lideranças como André Vidal de Negreiros, Henrique Dias e João Fernandes Vieira, este último um rico senhor de engenho que até pouco era amigo dos holandeses. A Insurreição Pernambucana foi deflagrada em 1645, obtendo algumas vitórias sobre os holandeses e, principalmente, colocando-os novamente na defensiva. Os anos seguintes viram o cerco pernambucano fechar-se sobre Recife, até que em 1648 e 1649, os holandeses foram batidos em duas batalhas sucessivas no monte dos Guararapes.
Estas duas batalhas, embora não bastassem para decidir a guerra, deixaram os holandeses praticamente sitiados dentro de seus domínios. Os recursos tornaram-se cada vez mais escassos porque a Holanda, agora em guerra com a Inglaterra, tinha dificuldade em cruzar o Atlântico. Uma expedição enviada por Portugal, em 1653, atacou pesadamente as fortificações holandesas no Recife, até obter a rendição dos invasores em janeiro de 1654.
Durante os vinte e quatro anos que durou o domínio holandês, por diversas vezes a balança da guerra esteve para defini-la em favor dos invasores. O padre Antônio Vieira, em 1647, chegou a sugerir ao rei D. João IV que, como mal menor, cedesse Pernambuco à Holanda, reservando para si o restante do território. A insurreição dos pernambucanos teve um caráter emblemático, por ter sido essencialmente uma vitória dos "brasileiros", e não dos portugueses, sobre invasores vindos de outro país.

Curiosidades:
** Os holandeses deixaram marcas na cultura pernambucana, sobretudo, em detalhes arquitetônicos. A cidade de Olinda, um dos focos da ocupação holandesa no Brasil, foi declarada pela Unesco patrimônio histórico da humanidade.
** Por administrar a colônia holandesa no Brasil, Maurício de Nassau recebia 2% de todos os lucros obtidos, além do soldo de coronel do Exército e de 7.500 florins, entre ajuda de custo e salário.