Brasil holandês: Personagens e episódios da "Guerra do Açúcar"





Nas duas batalhas dos Guararapes (1648 e 1649), os rebeldes lutaram com poucos recursos, pois a Coroa Portuguesa, que poderia fornecer reforços e armamentos, evitava intervir nos conflitos com os holandeses, uma vez que estava interessada em manter sua aliança com a Holanda para enfrentar a Espanha. As batalhas foram momentos decisivos  da Insurreição Pernambucana, a primeira de várias revoltas sediadas em Pernambuco. Mais tarde, no século XIX, ocorreram a Revolução Pernambucana, em 1817, a Confederação do Equador, em 1824, e a Revolta Praieira, entre 1848 e 1852.


O que era a Companhia das Índias Ocidentais?

Foi uma companhia criada pelo governo da Holanda em 1621, como contrapartida à Companhia das Índias Orientais, que já existia desde 1602. O governo holandês concedeu-lhe o monopólio da navegação, comércio e conquista na região do oceano Atlântico compreendida entre a Terra Nova (Canadá) e o estreito de Magalhães, a oeste, e entre o trópico de Câncer e o cabo da Boa Esperança, a leste. A companhia era controlada por cinco câmaras regionais, sendo que a câmara de Amsterdam detinha a maior parte de suas ações.
O objetivo da companhia era aproveitar o fim da trégua de doze anos que havia sido celebrada entre a Holanda e os Estados Gerais (Portugal e Espanha), em 1609. Cessando a trégua, os holandeses pretendiam aproveitar a debilidade das posições militares portuguesas no Brasil, bem como a escassa vigilância da costa, para estabelecer nela uma colônia produtora de açúcar.
O maior triunfo militar da companhia foi em 1628, quando um ataque liderado por Pieter Heyn aprisionou, perto de Cuba, uma armada espanhola com uma valiosa carga, principalmente de prata, que estava sendo levada de volta para a Espanha. Parte desses recursos foi utilizada para financiar a expedição que, em 1630, iria invadir o Brasil.
O fracasso de sua experiência brasileira, somado à perda da colônia de Nova Holanda (na atual região norte-americana de Nova York e Connecticut) para a Inglaterra mergulharam a companhia em dificuldades financeiras. Durante algumas décadas sua atividade se reduziu ao tráfico de escravos da África para a América, até que em 1791 suas propriedades foram absorvidas pelo governo holandês.

Como foi o governo de Maurício de Nassau?

Muitas das imagens do Brasil no século XVII
foram produzidas pelos pintores trazidos por Nassau.
O projeto militar da administração de Nassau no Brasil holandês (de 1637 a 1644) foi expandir o território já conquistado pelos holandeses: retomou várias posições importantes em Pernambuco e Alagoas, além de ocupar a Paraíba e o Ceará. Tentou ainda invadir a Bahia, mas sem sucesso. Porém, foi durante seu governo que o Brasil holandês alcançou sua maior estabilidade política e sua maior extensão territorial.
Nassau era também um amante das artes e das ciências. Trouxe em sua comitiva intelectuais que realizaram importantes trabalhos, entre eles o naturalista Guilherme Piso (1611-1678), que chefiou aquela que foi, talvez, a primeira missão puramente científica enviada pela Europa ao Novo Mundo. Piso escreveu a História Natural e Médica do Brasil (1648), uma obra voltada para as plantas medicinais do Brasil e que contou com a colaboração do naturalista alemão Jorge Marcgrave. Os pintores trazidos por Nassau (Franz Post, Albert Eckhout, Zacharias Wagener) não só criaram um impressionante registro pictórico da paisagem humana e natural do Brasil, como também retrataram batalhas travadas entre invasores e resistentes.
Nassau construiu o primeiro observatório astronômico do Brasil, além de palácios como o de Virjburg, também chamado de Torres, que continha um jardim botânico e um jardim zoológico. Outra realização de sua administração foi construir pontes ligando os bairros centrais de Recife. Seu governo foi marcado ainda por choques diplomáticos com a Companhia das Índias, à qual ele não parava de solicitar investimentos financeiros e ajuda militar. Isso foi desgastando cada vez mais seu comando e enredando-o nas intrigas políticas entre a companhia e o governo holandês, até culminar na sua exoneração.

Quem foram os heróis pernambucanos?

A expulsão dos holandeses representou um importante passo na afirmação do espírito de nacionalidade brasileira. Nossos historiadores costumam destacar quatro heróis que encarnam as quatro vertentes de que se compunha a população brasileira da época: o português João Fernandes Vieira e os brasileiros Vidal de Negreiros (branco), Henrique Dias (negro), e Felipe Camarão (índio).
João Fernandes Vieira (1613-1681), era um poderoso senhor de engenho, nascido na ilha da Madeira, que a princípio combateu os holandeses ao lado de Matias de Albuquerque, mas depois tornou-se amigo deles, inclusive do próprio Maurício de Nassau. Sua fortuna e sua liberdade de movimentos foram fatores essenciais para a insurreição.
André Vidal de Negreiros (1606-1680), nascido na Paraíba, já havia combatido os holandeses na Bahia em 1624. Passou oito anos entre Portugal e Espanha e na volta uniu-se a Vieira para fomentar a insurreição. Após a vitória, foi encarregado de levar a notícia ao rei de Portugal. Depois, foi governador-geral do Maranhão e Grão-Pará (1655), de Pernambuco por duas vezes (entre 1657 e 1667) e de Angola (1661-1666).
Henrique Dias (?-1662), negro livre, nascido em Pernambuco, trabalhou durante anos como capitão-do-mato, ou caçador de escravos fugidos. Desde 1633, lutava nas guerrilhas anti-holandesas; participou das duas batalhas dos Guararapes, da tomada de Olinda (1648) e da rendição de Recife (1654).
Felipe Camarão (1600?-1648), também chamado "Poti", era um índio da tribo dos potiguares nascido em Pernambuco. Foi educado pelos jesuítas e fez parte da Ordem de Cristo. Foi o único dos quatro líderes a morrer antes da vitória final.

Como foram as batalhas dos Guararapes?

A Insurreição Pernambucana teve início em meados de 1645, quando grupos de guerrilheiros negros e índios atravessaram o rio São Francisco, provocando um contra-ataque dos holandeses. Em agosto, os revoltosos alcançaram importantes vitórias nas batalhas do monte das Tabocas e do engenho de d. Ana Pais. O sul de Pernambuco foi retomado, mas os holandeses, depois do recuo inicial, firmaram-se em suas posições, num equilíbrio de forças que ficou praticamente inalterado entre os anos de 1646 e 1649, e que só se desfez após as duas batalhas dos Guararapes.
Em 19 de abril de 1648, os holandeses enviaram uma tropa de 4.500 homens para atacar o centro abastecedor de mantimentos dos revoltosos, em Muribeca. Informados da iminência deste ataque, os insurretos enviaram 2.200 homens, sob comando de Francisco Barreto, para barrar a passagem dos inimigos nos montes Guararapes, por onde forçosamente deveriam passar. Os holandeses atacaram as posições defendidas pelos revoltosos, que estavam divididos em companhias chefiadas por Vieira, Vidal de Negreiros, Henrique Dias e Felipe Camarão. Sucessivos ataques foram repelidos pelos revoltosos, inclusive em combate corpo a corpo, até que os holandeses bateram em retirada, tendo sofrido cerca de 500 baixas e mais outro tanto de feridos.
A segunda batalha ocorreu em 18 de fevereiro de 1649, quando o novo comandante holandês, coronel Brinck, decidiu efetuar um novo ataque contra as posições dos revoltosos, que há algum tempo tinham fundado na região da Várzea, ao sul do rio Capibaribe, um segundo Arraial do Bom Jesus. Com uma tropa de 3.500 homens, reforçada por cinco canhões, os holandeses procuraram antecipar-se aos brasileiros, ocupando os montes Guararapes e aguardando ali o ataque. As tropas dos revoltosos, com cerca de 2.600 homens, limitaram-se a cercar os montes. No início da tarde os holandeses decidiram descer ao encontro do inimigo, travando-se uma violenta batalha em toda região circundante. Os holandeses foram batidos em campo aberto e novamente bateram em retirada, sendo perseguidos pelos revoltosos até a região da Barreta e perdendo cerca de mil homens, além do próprio coronel Brinck.
As batalhas de Guararapes não foram capaz de selar o destino da guerra, mas estabeleceram de forma clara a disposição dos brasileiros em não permitir a permanência dos holandeses em seu território. Mais do que a vitória estratégica, foi a vitória moral de um grupo de guerrilheiros contra uma tropa profissional superior em número e em armamentos.

Curiosidade:
** Extremamente valorizado na Europa desde o século XVI, o açúcar era a principal atividade agroexportadora do Brasil colonial à época da ocupação holandesa. Engenhos e moinhos de açúcar foram pintados pelos artistas holandeses