Uma marcha para fazer uma petição ao czar Nicolau II foi o desastre que impulsionou a revolução na Rússia.
Makovsky - The 9th of January 1905. |
Os pobres de Moscou confiavam no czar para resolver os seus problemas. A ilustração captou o momento de horror em que perceberam que o soberano mandou virar armas contra eles.
O dia 22 de janeiro de 1905, um domingo, amanheceu claro e frio sobre S. Petersburgo, a antiga capital russa. Os manifestantes começaram a reunir-se nos arredores da cidade. No meio da manhã, marchavam em direção ao centro com o intuito de se encontrarem junto ao Palácio de Inverno do czar.
Cerca de duzentos mil homens, mulheres, e crianças avançavam sobre a neve. Vestiam as suas melhores roupas e cantavam hinos ao longo do caminho, transportando estandartes religiosos e retratos do czar Nicolau II. Tinham vindo suplicar ao governante da Rússia que os libertasse das imensas injustiças que suportavam à sombra da autocracia.
Nos últimos 25 anos, a Rússia sofreu uma rápida industrialização, que trouxe cada vez mais pessoas do campo para as cidades, onde as precárias condições de vida davam origem ao descontentamento. Intelectuais e estudantes organizavam-se em grupos políticos de oposição. A polícia secreta czarista era tão tirânica que o ressentimento contra a lei era generalizado. Apesar disso, a maioria dos manifestantes dessa manhã de domingo ainda confiava no czar, o seu "Paizinho", e acreditava que ele seria capaz de responder às suas queixas. Raras vezes a confiança de uma nação foi tão pouco merecida. Nicolau II, que subiu ao trono em 1894, passava a maior parte do tempo no seu refúgio, o Palácio Alexandre, em Tsarskoye Selo, fora de S. Petersburgo, ignorando a situação do seu povo e desatento ao seu bem estar.
No início de 1905, os conselheiros de Nicolau preparavam-se para um desafio. A guerra contra o Japão, que tinha estourado em 1904, estava indo mal para a Rússia, e a derrota retumbante sofrida quando Port Arthur caiu em poder dos japoneses, na primeira semana de 1905, fez desencadear a crise.
Foi justamente nesse momento que uma das personalidades mais estranhas da história russa emergiu da obscuridade e instigou o povo à ação. À frente dos manifestantes, marchava a passos largos um sacerdote alto, de barbas, o padre Georgei Gapon.
O padre Gapon já era uma figura familiar tanto na corte de Nicolau II como nos bairros mais pobres de S. Petersburgo, onde trabalhava como missionário. Em 1904, foi autorizado a formar a Assembleia de Operários Fabris Russos, a fim de acalmar o seu descontentamento político e desenvolver uma "consciência nacional" entre eles. Teve tanto êxito que, no final do ano, a Assembleia já tinha cerca de oito mil membros, muito mais do que o revolucionário Partido Trabalhista Social-Democrata, organizado por Vladimir Lênin.
No início de janeiro, começou uma greve na Metalurgia Putilov, em S. Petersburgo; os operários exigiam um dia de trabalho de oito horas, melhores condições de trabalho, salários mais elevados para as mulheres e progresso no sentido da democracia política. Passados 15 dias, a cidade estava paralisada por uma greve geral. Do seu exílio na Suíça, Lênin considerava que a Rússia estava num estado "de ebulição política sem precedentes".
O governo não estava parado. A 20 de janeiro havia tropas concentradas nas centrais de eletricidade, fábricas de gás,s centrais telefônicas, terminais da estrada de ferro. Havia sentinelas de guarda em toda a volta do Palácio de Inverno e seus acessos. A cidade estava à beira de um conflito sangrento.
Nesse momento da crise o padre Gapon resolveu apelar diretamente ao czar. Nenhuma das duas alas do Partido Trabalhista Social-Democrata de Lênin, bolcheviques ou mencheviques, participou da organização da manifestação concebida por Gapon. Em sucessivas reuniões com os grevistas, o sacerdote instigava os trabalhadores com sua forte voz de barítono. "Ao czar!", gritava, e as pessoas respondiam: "Ao czar!" "E que faremos", perguntava, "se o czar não nos receber?", "então, para nós, já não há czar". E os operários gritavam "Para nós, já não há czar". A petição redigida requeria uma sociedade em que todos fossem iguais e uma assembleia constituinte eleita por sufrágio universal e secreto. O documento listava os sofrimentos a que o povo era sujeito, apresentando-os ao czar "de forma direta e aberta, [...] como ao nosso pai".
Cheios de esperança, os manifestantes, os pobres da Rússia, aproximaram-se das várias portas que rodeavam o centro da cidade. Gapon, conduzia a coluna que abria caminho em direção à Porta Narva. Ali chegando, encontraram soldados de infantaria que bloqueavam a passagem para o palácio e uma companhia de cossacos montados em formação, com as suas espadas de prata. Sem avisar, a cavalaria avançou sobre a multidão, golpeando os manifestantes indefesos. Seguiu-se a infantaria, atirando sobre as fileiras desorientadas dos manifestantes, muito comprimidos para poderem dispersar. "Eu vi as espadas que se erguiam e caíam", escreveria Gapon mais tarde, "e depois homens, mulheres e crianças que tombava por terra como toros de madeira, enquanto gemidos, pragas e gritos enchiam o ar". A cena junto à Porta Narva, repetiu-se nos outros acessos ao palácio.
A marcha do povo falhou. A petição não chegou a ser entregue e pelo menos quinhentas pessoas perderam a vida. No entanto, mesmo no fracasso, a manifestação foi um passo à frente no caminho da reforma. O czar Nicolau II tinha perdido o afeto e a confiança do seu povo.
Protesto pacífico.
A petição era uma súplica, e não uma provocação: "Temos sofrido, e estamos sendo arrastados para a mais profunda miséria, injustiça e ignorância; estamos sendo oprimidos pela tirania e já nem podemos respirar. Estamos sem força. A nossa resistência chegou ao fim. Estamos à beira do terrível momento em que a morte é preferível a este sofrimento intolerável".
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